4 anos de Fiscalização por Sorteios Públicos: desafios e perspectivas.

Em abril de 2003, a Controladoria-Geral da União instituiu o Programa de Fiscalização de Sorteios Públicos. Buscou-se, assim, implementar um “mecanismo de Sorteio Público para definição de regiões onde serão desenvolvidas fiscalizações especiais, por amostragem, com relação aos recursos públicos federais ali aplicados, por via dos órgãos da administração federal, diretamente ou por meio de repasse, sob qualquer forma, para órgãos das administrações dos Estados ou dos Municípios e quaisquer outros órgãos ou entidades legalmente habilitados”.
Essa sistemática partiu de dois pressupostos.
O primeiro se refere à ausência de uma estrutura mínima de controle e avaliação que permita ao órgão atuar concomitantemente em todos os municípios que recebem recursos públicos federais, além dos órgãos e entidades federais e estaduais que também administram esses recursos. Exemplificando, atualmente a CGU possui, em todo o Brasil, aproximadamente 2.000 servidores. Considerando apenas os municípios, 5.560 no total, já é possível ter uma noção preliminar da ausência de uma estrutura adequada de controle. Somadas as 27 Unidades da Federação e as mais de 3.500 Unidades Gestoras federais espalhadas pelo país, tem-se a verdadeira percepção da dificuldade enfrentada pelo órgão.
O segundo pressuposto consiste em garantir que a escolha do município não sofra qualquer ingerência política. Assim, para a realização dos sorteios, com uma freqüência média mensal, fora contratada a Caixa Econômica Federal, que os realiza em audiências públicas, nos moldes dos concursos de prognósticos e loterias.
O critério utilizado para sorteio levou em conta a quantidade de municípios em cada Estado. No Maranhão (217 cidades) são sorteados dois municípios a cada evento. Em Minas Gerais, Estado com maior número de municípios (853), atualmente são sorteados 7 territórios municipais a cada evento.
Em cada um dos municípios sorteados, os servidores examinam contas e documentos e fazem inspeção pessoal e física das obras e serviços em realização, privilegiando o contato com a população, diretamente ou através dos conselhos comunitários e outras entidades organizadas, como forma de estimular os cidadãos a participarem do controle da aplicação dos recursos oriundos dos tributos que lhes são cobrados.
Em todo o Brasil, de 2003 a 2006 (22 sorteios) já foram fiscalizados 1.161 municípios, correspondendo a 20,88% das cidades do país. No Maranhão, desde a instituição do programa, foram sorteados 41 municípios, representando 18,89% dos municípios do Estado.
Dentre as vantagens decorrentes da implementação do programa, as seguintes se destacam, quais sejam:
a) leva em consideração as limitações de estrutura física e de pessoal da CGU, garantindo uma atuação mínima do órgão no que se refere à gestão de recursos públicos federais em territórios municipais;
b) visto que não se sabe previamente quais municípios serão fiscalizados, o programa age como instrumento de dissuadir e inibir a corrupção entre os municípios como um todo;
c) a escolha do município a ser visitado é feita mediante sorteio público, aberto, pois, à sociedade. Assim, ao mesmo tempo em que evita qualquer ingerência política na atuação do órgão, o evento garante maior transparência ao programa;
d) a determinação prévia da amostra (municípios com até 500 mil habitantes, sorteados em função da quantidade de cidades de cada Estado), que se tem mostrado razoável, possui a importante característica de permitir que as regras do Programa fiquem mais claras à sociedade;
e) a visita realizada aos municípios estimula a população local a exercer maior controle social sobre os gestores, o que ocorre por meio de reclamações e denúncias feitas pelos cidadãos à equipe de fiscalização. Além disso, a presença física da CGU tem o propósito de divulgar a atuação do órgão, criando redes de comunicação entre a sociedade e o Estado (aqui entendido como Estado-Nação) visando à incrementação no controle dos gastos públicos;
f) desde sua instituição, o programa já permitiu que 20% dos municípios brasileiros fossem fiscalizados, quantidade que dificilmente seria atingida caso não fosse implementado;
g) a partir do estabelecimento do programa, embora não estivesse previamente definido em seu escopo, foi possível fazer um diagnóstico preliminar sobre as reais condições da estrutura física e administrativa das prefeituras brasileiras. Nesse particular, verificou-se que parcela considerável das constatações diz respeito à falta de capacitação dos servidores municipais e à ausência de controles internos administrativos eficazes;
h) outra percepção obtida a partir do programa diz respeito ao controle social, o qual ainda precisa evoluir bastante (efetiva atuação de conselhos, por exemplo) visando a consolidar sua atuação;
Apesar do reconhecido avanço, algumas críticas são feitas ao programa. Por exemplo, no que tange à disponibilização dos resultados das fiscalizações, a CGU passou a divulgar seus relatórios integralmente somente a partir do 19º sorteio. Até então, disponibilizava na internet apenas as sínteses desses relatórios, elaboradas por sua Assessoria de Comunicação. Além disso, apesar da ‘publicização’ integral dos relatórios de fiscalização, o órgão ainda não dispôs quaisquer informações estatísticas quanto ao Programa, como, por exemplo: percentual de achados graves, médios ou leves detectados nos municípios, média de recursos desviados por programas federais, e avaliação da eficiência, eficácia e efetividade desses programas.
Outra crítica surgida com freqüência diz respeito à exclusão dos municípios com população acima de 500 mil habitantes. A grande argumentação é a de que a maior parte dos recursos federais está alocada em municípios de grande porte. Quanto a essa afirmação, vejamos o caso específico do Maranhão: segundo o Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br), no ano de 2005, o total de recursos federais transferidos ao único município com mais de 500 mil habitantes (a capital São Luís) foi de R$ 581.920.968,841. Nos demais municípios do Estado tal transferência foi de R$ 2.551.827.793,37. Observe-se que parcela considerável de recursos transferidos aos municípios do Estado recai sobre apenas um deles – o município de São Luís, o qual recebeu quase 1/5 (exatamente 18,57%) do total transferido. Em função da facilidade de atuação da equipe em municípios de maior porte e melhor estrutura, e do montante de recursos envolvidos, de fato nada justifica a ausência de um programa específico de fiscalização às unidades municipais com mais de 500 mil habitantes. É bem verdade que tais municípios não estão imunes à atuação da CGU, podendo o órgão, de ofício ou por provocação de outros órgãos ou entidades, implementar ações de controle nas grandes cidades.
De qualquer forma, mesmo reconhecendo as críticas comumente feitas ao programa, observa-se seu relativo sucesso no sentido de garantir um controle mais efetivo sobre os recursos federais aplicados em âmbito municipal. A partir de análises dos diagnósticos que resultaram de sua implementação, outras ações foram desenvolvidas como, por exemplo, o Programa de Fomento ao Controle Social e Capacitação de Agentes Municipais, o qual também desloca uma equipe ao município, desta feita com o objetivo exclusivo de estimular os diversos atores sociais (conselheiros municipais, lideranças locais, professores, padres e pastores, vereadores, promotores, presidentes de associações de trabalhadores rurais etc.), por meio de palestras e apresentações das principais ferramentas de auxílio ao controle social (por exemplo, o Portal da Transparência).

1 Uma ressalva: desse cálculo não foram excluídos os valores relativos à Compensação de Exportação, às transferências da CIDE, da Lei Kandir, do Imposto Territorial Rural e do Fundo de Participação dos Municípios (que são considerados receita própria sujeita à atuação do TCE).